Cursinhos populares, que preparam jovens de baixa renda para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), registraram uma queda significativa no número de alunos durante a pandemia do novo coronavírus. Desde março, com a suspensão das atividades presenciais e a adoção de aulas on-line, cada vez mais estudantes têm abandonado as instituições de ensino.
O G1 ouviu coordenadores e alunos de dez cursinhos populares, em São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Rio Grande do Norte, Amazonas e Rio Grande do Sul. São projetos formados por professores voluntários, que oferecem aulas, em geral, gratuitas (alguns cobram uma mensalidade simbólica, para pagamento de despesas, sem lucro).
Entre os motivos que levaram os jovens a desistir dos estudos para o Enem, estão:
- falta de computadores e de acesso à internet;
- ausência de um ambiente adequado para o estudo, em casa;
- problemas financeiros, que os fazem trabalhar mais, para ajudar a família;
- instabilidade emocional.
No cursinho Florestan Fernandes, em São Paulo, havia 800 alunos no início de 2020 – três meses depois, restam apenas 40. “A evasão é normal, mas não nessa proporção. Nossos estudantes não têm um acesso de qualidade à internet. Mais de 60% deles só usam celular, com pacote de dados bem limitado”, afirma o coordenador Bruno Sampaio, de 23 anos.
“Essa situação gera também uma fragilidade emocional. Os alunos têm demonstrado ansiedade e preocupação. Eles são da periferia, precisam ajudar em casa, cuidam dos irmãos, vão trabalhar. Não conseguem mais estudar”, completa.
Cursinho popular Florestan Fernandes, em São Paulo, começou o ano com 800 alunos – agora, restam 40. — Foto: Arquivo pessoal
O cursinho é gratuito e funciona aos sábados, em parceria com a faculdade de história da Universidade de São Paulo (USP). Como a instituição está fechada, as aulas passaram a ocorrer de forma virtual – os 50 professores, todos voluntários, montam slides com a matéria, organizam encontros por uma plataforma on-line e dão aulas gravadas ou ao vivo.
Aqueles que estão conseguindo participar das atividades remotas enfrentam dificuldades. Lucas Fernandes, de 20 anos, aluno do Florestan, divide o notebook com seus cinco irmãos em casa – todos eles têm aulas virtuais e precisam do equipamento. “Não consigo dedicar muito tempo aos estudos. Tento usar o celular, mas a tela é pequena e os aplicativos de atividade são muito instáveis. Preciso ficar em um ponto específico da casa, para ter sinal de internet”, diz.
“Mas não sou só eu: a maioria dos jovens periféricos convive com esses problemas. Meus amigos precisam trabalhar, é isso ou passam fome. Nossa esperança de conseguir uma vaga na universidade pública fica menor. A gente já matava um leão por dia, agora são dez”, afirma Lucas.