Gastos livres do governo caem ao menor patamar da história e ameaçam serviços públicos

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Após o forte bloqueio no orçamento de 2021, os gastos livres (não obrigatórios) do governo previstos para este ano estão no menor patamar da história, segundo informações do Tesouro Nacional.

Sem contar as emendas parlamentares, que destinam recursos para as bases eleitorais de deputados e senadores, as despesas não obrigatórias (gastos administrativos dos ministérios e com serviços públicos) foram comprimidas e estão estimadas em R$ 74,639 bilhões neste ano, no menor nível já registrado.

Para cumprir o teto de gastos (mecanismo que entrou em vigor em 2017 e limita a elevação da maior parte das despesas à inflação do ano anterior), o governo efetuou em 2021 um forte bloqueio de R$ 29 bilhões no orçamento, necessário para ajustar o orçamento à realidade após manobras feitas pelos parlamentares.

Serviços públicos afetados

O risco de ter gastos não obrigatórios tão baixos, estimados para este ano em R$ 74,6 bilhões pela Instituição Fiscal Independente (IFI, órgão do Senado) é que os serviços públicos podem ser impactados, segundo economistas.

A explicação é que, mesmo segurando os gastos administrativos, como material de consumo, serviços terceirizados, serviços de saúde e TI, entre outros, essas despesas consumirão, ao menos, R$ 65 bilhões em 2021, de acordo com o Tesouro Nacional.

Com isso, segundo os números oficiais, sobrarão menos de R$ 10 bilhões em 2021 para serviços públicos. Entre as ações que podem ser impactadas negativamente por essa forte restrição de recursos, estão ações de defesa agropecuária; concessão e custeio de bolsas de pesquisa do CNPq; concessão e custeio de de bolsas de estudo da Capes; Pronatec; emissão de passaportes; programa Farmácia Popular; bolsas para atletas; aquisição e distribuição de alimentos para agricultura familiar.

Nas últimas semanas, especialistas, e também alguns ministérios, começaram a reclamar da forte restrição de recursos, pedindo recomposição de valores.

Nesta semana, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal tome as providências para retomar a realização do Censo demográfico em 2021, mas o assunto ainda será avaliado pelo plenário da Casa.

O que diz o governo

Questionado nesta semana sobre o impacto do teto de gastos nos serviços públicos, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, que assumirá nos próximos dias a Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, afirmou que é preciso controlar o nível de gastos para evitar um aumento dos impostos e da dívida pública, que resultaria em juros mais altos.

“A gente gasta demais já, e a nossa carga tributária é 33% do PIB, fazendo déficit [rombo nas contas, registrado desde 2014]. É penoso aumentar imposto, e é penoso para os mais pobres, que afeta a geração de emprego. E [a alta de gastos] virar dívida seria penoso para as futuras gerações, pois aumenta os juros da economia”, declarou Funchal.

O secretário lembrou que a dívida brasileira já está em cerca de 90% do PIB, patamar elevado para países emergentes.

Para Funchal, do Ministério da Economia, a solução seria manter o teto de gastos e realizar reformas no Congresso Nacional para reduzir as despesas obrigatórias, abrindo assim mais espaço para melhorar os serviços públicos.

“A gente precisa discutir a qualidade do gasto. Uma reforma administrativa para controlar o tamanho do crescimento do Estado, economizar recursos e alocar para os mais pobres”, concluiu.

Na semana passada, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse que mesmo com os bloqueios efetuados no orçamento, não há risco de paralisação de serviços públicos. “Neste momento, não corremos risco de ter parada em nenhum dos ministérios”, afirmou na ocasião.

Analistas opinam

O professor da FGV e coordenador do Observatório de Política Fiscal, Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do antigo Ministério da Fazenda, avaliou, entretanto, que existe um “erro de abordagem” na discussão do chamado “shutdown”.

Para ele, a suspensão do censo demográfico neste ano, por exemplo, já representa um tipo de paralisação da máquina pública.

“Suspender o censo e outras coisas básicas por falta de recursos já é aplicar alguma forma de shutdown [paralisação da máquina pública]. Não adianta simplesmente deixar o ministério aberto. Acho uma visão bastante distorcida. Se o ministério está aberto, e não está fazendo o que deve fazer, está funcionando? Não tem quase nada, nunca foi tão baixo [o gasto não obrigatório]”, afirmou Manoel Pires.

Para resolver o problema, disse ele, seria importante reformular o sistema de regras fiscais, mantendo o teto de gastos, mas passando a permitir que as despesas subam acima da inflação.

Para Manoel Pires, seria importante fazer uma reforma tributária, a fim de se estimular a produção e recuperar receitas.

“Tem regras demais e desempenho de menos [nas contas públicas]. Tem o teto, a regra de ouro, o resultado primário, a PEC da Emergência Fiscal. Tem de consolidar e focar nos objetivos. Gosto de regra de despesas [com limites], que é onde os problemas acontecem”, declarou Manoel Pires.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal (IFI), Felipe Salto, concorda que o governo já está com serviços paralisados em 2021.

“Sem dúvida. Já estamos, na prática, em ‘shutdown’. Não precisa ‘parar tudo’ para configurar essa situação alarmante de paralisação”, declarou.

Com o limite para gastos, observou ele, o corte de despesas não obrigatórias já vem acontecendo nos últimos anos, com redução de recursos para o programa Farmácia Popular, para as relações exteriores e para pesquisas, mas acrescentou que em 2021 esse processo se acelerou.

Salto disse que, nos cenários da Instituição Fiscal Independente, haverá uma folga no teto de gastos em 2022, mas acrescentou que o baixo nível de gastos não obrigatórios voltará a ser um problema em 2023, quando as despesas para serviços públicos voltarão a ser fortemente comprimidas.

Para resolver o problema, ele defende uma harmonização das regras fiscais existentes.

Segundo Saito, o próximo governo já vai assumir com o problema de ter de rever o chamado “arcabouço fiscal”, ou seja, as regras para receitas e despesas.

Para ele, não é preciso acabar com todas as normas existentes (meta fiscal, teto de gastos, regra de ouro e PEC de emergência), mas sim apresentar medidas claras que voltem a gerar superávit nas contas públicas, a fim de conter o avanço da dívida brasileira.

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